Hoje, 20 de novembro, é o Dia da Consciência Negra, e feriado em mais de 200 municípios brasileiros. A data foi escolhida por coincidir com o dia da morte de
Zumbi dos Palmares, em
1695.
Pensei em postar várias coisas aqui, mas li um post no Blog "do Contra" que me fez entender que as minhas idéias até então eram até fúteis em relação às questões levantadas naquele texto. Já que este dia seria para um reflexão, vamos a ela:
"Longe de mim falar mal de um feriado. Afinal, também sou brasileiro e o brasileiro, como dizia Nelson Rodrigues, "é um feriado". Mas certas coisas não podem passar em branco (sem trocadilho). O Dia da Consciência Negra, que se celebra hoje em todo o Brasil, sendo feriado oficial em mais de 200 municípios, é uma dessas datas, como a Semana Santa e o 12 de outubro (Dia de N. Senhora Aparecida), que nos fazem pensar. E não somente pelo simbolismo da efeméride - uma homenagem ao líder da mais famosa revolta escrava da História do Brasil, Zumbi dos Palmares -, mas principalmente porque, assim como aquelas duas outras datas me fazem duvidar do caráter laico do Estado brasileiro (desde 1889, o Brasil não tem religião oficial; logo, por que um feriado oficial em homenagem a uma santa católica?), uma data como a de hoje levanta dúvidas sobre a própria essência da nacionalidade. Sobre o que somos, enfim, e sobre que tipo de nação queremos ser.
Em primeiro lugar, por que Dia da Consciência Negra? Sabemos que dizer quem é negro ou não no Brasil, devido à miscigenação que, queiramos ou não, é nossa marca registrada, é uma tarefa das mais difíceis, responsável por enormes dores de cabeça aos recenseadores do IBGE. Como afirma Gilberto Freyre - um autor tão atacado quanto pouco lido pelos militantes da "negritude" e da esquerda em geral -, não houve, por essas bandas, um processo de segregação racial como ocorreu, por exemplo, nos EUA ou na África do Sul. Pelo contrário: o escravo negro desempenhou, aqui, um papel na formação cultural do País sem paralelo com o que teve nesses outros lugares, onde permaneceu quase sempre separado e mantido à distância pela população branca. Aqui, até mesmo pela violência e perversão sexual inerentes à escravidão, os sinhozinhos, eles mesmos bem pouco puros racialmente (filhos de portugueses, que por sua vez se tinham misturado com árabes e berberes, romanos e celtíberos), refestelaram-se transando com as negras (e índias, e mulatas, e caboclas, e cafuzas, e por aí vai), resultando numa população racialmente tão indefinida quanto a sexualidade de um padre. Paralelamente à essa mistura de raças, a influência da cultura da senzala - sua música, culinária, religião, língua etc. - se fez sentir na casa-grande, a ponto de Freyre afirmar, por exemplo, que, culturalmente, somos mais africanos do que europeus (fenômeno facilmente observável; basta verificar quais os ritmos que fazem mais sucesso nas festas de classe média: o funk, o rap, o hip-hop, o samba, ou a ópera e a valsa vienense?). Daí ser tão difícil, para não dizer impossível, classificar o brasileiro em termos raciais. (Eu, por exemplo, descendente de portugueses e índios do alto sertão potiguar, já fui confundido até com vietnamita... Se me perguntarem a que raça pertenço, respondo: à raça humana). Sem falar que "afro-descendente", o termo preferido dos politicamente corretos para se referir aos que, como disse certa vez um ex-presidente da República, têm um pé na cozinha, é algo tão insólito quanto dizer que alguém é "descendente de Eva" - sendo o continente africano, segundo as pesquisas arqueológicas mais recentes, o berço da espécie humana e da civilização, somos todos, portanto, afro-descendentes. Somos um povo mestiço, caboclo, misturado, vira-lata. Então, para que um Dia da Consciência Negra? Não seria melhor dizer Dia da Consciência Nacional, simplesmente?
A insistência em enxergar a realidade brasileira pelo prisma da divisão racial - e não social ou cultural, como deveria ser o caso - é parte da ideologia e do programa antropológicos de ONGs e grupos pertencentes ao chamado movimento "negro" no Brasil. Tal movimento, surgido nas periferias das grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador por volta dos anos 70 do século passado, tem por objetivo inculcar na sociedade brasileira uma visão bicolor - e racista -, na contramão do elogio da miscigenação feito por Gilberto Freyre, o pai da idéia da "democracia racial" brasileira, que esses militantes tanto contestam. Ninguém questiona que a democracia racial brasileira está longe de ser perfeita (aliás, existe alguma coisa perfeita neste mundo?), nem que há preconceito e discriminação raciais, camuflados sob um véu de cordialidade. Ninguém também nega que a questão social entre nós é e sempre foi uma calamidade nacional e que, por causa de nossa cultura escravocrata, negro no Brasil é quase sinônimo de pobre e favelado. Ninguém nega isso. O problema está na percepção de que essas desigualdades decorrem tão-somente de uma questão de raça, como se fosse a cor da pele ou o tipo de cabelo o elemento definidor da posição social - e da nacionalidade. Tal conceito, eminentemente racista e discriminatório, está na raiz, por exemplo, do sistema de cotas nas universidades, o qual paradoxalmente apenas oficializou o racismo, instituindo um tribunal de "pureza racial" para definir quais alunos seriam, e quais não seriam,"afro-descendentes" - algo que só pode gerar confusão e injustiças, como vem ocorrendo, por exemplo, na UnB.
Outra questão geralmente levantada pelos "militantes negros" - verdadeiros guerrilheiros da raça, prontos para enquadrar criminalmente qualquer professor universitário que tiver a audácia de chamar alguém de "crioulo", por exemplo, mas não o atual presidente da República - é que a data de 20/11 vem "resgatar a memória da luta dos negros contra a escravidão". Aqui sou obrigado mais uma vez a discordar dos companheiros. Novamente, por razões históricas: em primeiro lugar, quem disse que a escravização de outros povos foi exclusividade dos europeus? A instituição da escravidão existiu na Antigüidade, do antigo Egito à Grécia e Roma, tendo sido retomada, a partir do século VIII d.C., pelos conquistadores árabes no Norte e Leste da África. Para quem não sabe, foram eles, os mouros (árabes e africanos negros) que a introduziram na Europa, via Península Ibérica, e a mantiveram até o século XIX (a primeira guerra que os EUA travaram fora de seu território, por exemplo, foi contra os mercadores de escravos árabes da Berbéria, onde hoje é a Argélia, no começo do século XIX). Durante séculos, o Império Otomano - a Turquia atual - importou escravos e escravas de pele branca e olhos claros de suas possessões do Leste Europeu e do Cáucaso para seus exércitos e haréns. Quando os portugueses começaram a traficar escravos na costa ocidental da África, no século XV, não estavam inventando nada novo: estavam apenas transferindo para o Atlântico uma prática usual no interior do continente africano. Até hoje, aliás, a prática da escravidão continua em certas partes do continente, como o Sudão. Logo, historicamente, a escravidão não foi invenção dos europeus, nem tem nada a ver com raça. Daí o absurdo do gesto teatral do presidente da República pedindo "desculpas" aos africanos pela escravidão no Brasil, algo que só pode ser compreendido como fruto de ignorância histórica - ou de demagogia mesmo.
Até no Brasil, o último país do Ocidente a abolir essa prática vergonhosa, a escravidão acabou transcendendo as barreiras raciais. Há registros de mulatos e até ex-escravos que eram, eles mesmos, donos de escravos. O próprio Quilombo dos Palmares, tido como inspirador do 20/11, não contava, entre seus moradores, apenas com ex-escravos negros fugidos. Havia, entre eles, também muitos índios, bem como numerosos mestiços e até mesmo alguns brancos pobres em busca de terras. Até hoje, quem for a alguma comunidade quilombola não terá muita dificuldade em encontrar, entre seus habitantes, alguém de cabelo liso e pele clara.
As origens de tanto mal-entendido e tanta confusão não são muito difíceis de traçar. Embora se pretenda, com a data, ressaltar um aspecto importante do caráter nacional brasileiro, a idéia por trás do Dia da Consciência Negra é alienígena: vem dos movimentos pelos direitos civis nos EUA dos anos 50 e 60, com Martin Luther King à frente, reforçado, depois, pela luta contra o apartheid na África do Sul. Em que consiste essa idéia? Basicamente, no resgate das tradições e do orgulho da população negra oprimida nesses países - o black power e o black is beautiful - brandido pelos negros norte-americanos. Nesses países, a população negra era segregada nas escolas e obrigada a viver em guetos longe dos bairros brancos. Transmudado em solo pátrio, o "orgulho negro" tornou-se uma espécie de "grito dos excluídos" com tintas raciais. Daí porque a frase da Ministra da Integração (sic) Racial, Matilde Ribeiro -, "Não é racismo quando um negro odeia um branco" - não deveria surpreender ninguém.
A data que hoje se comemora no Brasil veio substituir a que era celebrada anteriormente como a da libertação dos escravos - o 13 de maio, data da Lei Áurea, proclamada pela Princesa Isabel em 1888. Tal data era considerada, e ainda o é, "elitista" e "branca" demais pelos grupos de militantes negros. Estes precisavam de uma data que marcasse mais fortemente as lutas dos afro-brasileiros contra a escravidão e a discriminação de que ainda seriam vítimas. Faltava apenas encontrar uma figura histórica que pudesse ser considerada um símbolo e um herói dessa resistência: Zumbi dos Pa lmares. Processou-se, desse modo, aquilo que o professor Demétrio Magnoli chamou de "abolição da Abolição": de momento fundamental da História nacional, a Abolição passou a ser vista como uma farsa, e a Princesa Isabel, de Redentora, passou a ser ridicularizada. Por sua vez, os principais vultos da campanha abolicionista, como Joaquim Nabuco, Castro Alves, Luís Gama e José do Patrocínio (os dois últimos, aliás, mulatos), foram relegados ao esquecimento histórico, passando, de heróis e símbolos da luta pelo fim da escravatura, à condição de quase vilões, verdadeiros usurpadores dessa causa sagrada. O resultado é que, hoje, as crianças desconhecem completamente a verdadeira epopéia que foi o movimento abolicionista do final do século XIX, enquanto aprendem a reverenciar Zumbi e Malcolm X.
O processo de construção/mistificação histórica que r esultou na oficialização do Dia da Consciência Negra seguiu um padrão bem conhecido. Aconteceu, com Zumbi, algo parecido com o que ocorreu com a figura de Tiradentes após a proclamação da República: inicialmente rebeldes, tornaram-se, com a ascensão de novos interesses, símbolos da ordem política e social que se tentou implantar. No caso de Tiradentes, a iconografia oficial buscou na imagética religiosa sua fonte de inspiração, tratando de representá-lo como um Cristo redivivo, de barba e cabelos longos, tão sugestivo como historicamente improvável (associação semelhante se fez com Che Guevara, com proporções bem maiores). O mesmo com Zumbi dos Palmares. Figura semi-lendária, como quase todos os mitos nacionais, tornou-se, de líder de escravos rebelados, em um símbolo de orgulho e pureza racial, algo completamente estranho à própria constituição física do brasileiro. Como tal, sua imagem foi encampada pelos grupos e partidos de esq uerda, sobretudo o PT (não por acaso, uma das siglas que pegaram em armas contra a ditadura militar nos anos 60 e 70, da qual participou, entre outros, a atual Ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, chamava-se Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares).
Houve uma época em que os brasileiros, com vergonha de serem mestiços, queriam "embranquecer" a si mesmos. Hoje, continuamos com vergonha do que somos, mas não vemos nenhum mal em querer "enegrecer" o país. Ao se propor a celebrar a pureza de raça em um país de mestiços, o Dia da Consciência Negra é um contra-senso. Algo tão sem sentido quanto celebrar o Dia da Consciência Alemã ou Coreana, por exemplo. Mas, num país em que ONGs denunciam o "genocídio" de homossexuais e que tem, ao mesmo tempo, a maior parada do orgulho gay do mundo, isso não deveria surpreender."
Ahhh, é claro que não podia deixar de postar algo engraçado... e encontrei no mesmo post daí de cima... taí uma foto massa!